Carta aberta à Abraji

Em março deste ano, fui surpreendida por um levantamento da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo), me apontando como a principal parlamentar do Brasil a “atacar” jornalistas e a imprensa.

Apesar de contar com apenas mil associados, a entidade é frequentemente citada em reportagens como fonte de autoridade. Diante dessa pesquisa, gostaria de fazer algumas perguntas à Abraji, na esperança de que possam ser respondidas com a mesma transparência que pregam.

Abraji,

O renomado jornalista Paulo Francis, em sua genialidade, já afirmou: “Tenho uma profissão muito mais sórdida que a de mafioso, que é ser jornalista”. E, para coroar, ainda disse: “Jornalistas são como grandes meretrizes: têm todos os privilégios das esposas, sem as responsabilidades”.

Além disso, Francis também já declarou: “Todo jornalista decente é um urubu na sorte dos outros mortais. Ficamos esperando que as pessoas escorreguem numa casca de banana e batam com a cara no chão. Se tudo corre muito bem, para nós, é tudo mal.”

Pergunta 1

Se eu replicar esse vídeo ou transcrever o que ele disse em minhas redes sociais, serei automaticamente incluída no próximo ranking de ataques, mesmo sabendo que a frase partiu de um jornalista?

Pergunta 2:

Chamar um jornalista de militante ou comunista está incluso na metodologia usada para coletar os ataques? No vídeo a seguir, a própria Míriam Leitão afirmou que deixou a casa dos pais para militar no Partido Comunista do Brasil.

Entrevista de Míriam Leitão retirada do Globoplay

Este vídeo acima sumiu do Globoplay, afinal, é preciso que “jornalista comunista” seja algo dito apenas pelos “teóricos da conspiração da extrema-direita”. Falando em Míriam, Reinaldo Azevedo sugere no próximo vídeo que a jornalista é ignorante e desconhece o que fala.

Pergunta 3:

Se Reinaldo pode fazer tais afirmações, posso também? Ou a regra é seletiva? Antes que digam que ele é jornalista, ao contrário de mim, lembro que, apesar de eu não ter o diploma na área, me considero uma jornalista, afinal, desde antes de ser deputada, uso minhas redes sociais como um canal de comunicação. E, vale lembrar: foi o lula, em 2006, que aboliu a exigência do diploma.

Continuando…

Em 2015, após deixar a Globo e ir para a RedeTV!, a jornalista Mariana Godoy afirmou que tanto ela quanto os demais colegas da emissora eram roteirizados. Ela disse à Folha que tudo o que saía da boca dos apresentadores era escrito por Ali Kamel, o então homem mais poderoso do jornalismo do Grupo Globo.

Pergunta 4:

Mariana Godoy passou 23 anos na empresa e conheceu bem o modus operandi do Grupo Globo. Se eu interpretar que os apresentadores, inclusive o Bonner, não tinham autonomia e seguiam um roteiro, estarei sendo leviana ou apenas reiterando o que uma ex-colega disse?

Sobre Ali Kamel, vale lembrar que ele é autor de um livro lançado em 2006 chamado “Não somos racistas: uma reação aos que querem transformar o Brasil numa nação bicolor” em que o jornalista simplesmente nega o racismo no Brasil. Curiosamente, por muito menos, sou rotulada como negacionista por jornalistas que preferem ignorar o livro de Kamel. Sem contar que, de acordo com Paulo Henrique Amorim, por décadas, o Jornal Nacional não tinha personagens negros, a menos que fosse o Pelé.

Num único dia, o jornal O Globo publicou seis reportagens me rotulando como racista, tudo porque troquei o nome de uma colega da Câmara. Assim como O Globo, vários veículos não me dão espaço para me defender, algo básico em qualquer manual de jornalismo.

Pergunta 5:

Como cidadã acusada por veículos de crimes que não cometi, posso usar minhas redes para me defender? Ou isso também seria considerado um ataque?

No 19º Congresso Nacional de Jornalismo Investigativo que aconteceu em julho, a Abraji convidou para palestrar o jornalista Bruno Torturra, um dos idealizadores do coletivo Mídia Ninja.

Em 2017, uma ex-integrante do coletivo fez graves denúncias, incluindo:

– Apropriação indevida do trabalho;

– Exploração de uma forma “pós-moderna” de mão de obra escrava;

– Transmissão de informações falsas a patrocinadores públicos e privados sobre a real dimensão do Fora do Eixo;

– Ameaças às pessoas que tentavam se desligar do grupo.

Pergunta 6:

A Abraji não estaria de certa forma legitimando ou pelo menos ignorando as práticas citadas acima, o que poderia colocar em dúvida a seriedade do compromisso com os valores que prega defender?

Diversos jornalistas estão passando pano para abusos da PF e até comemorando a prisão de inocentes. Em 2012, Cláudio Tognolli, que já presidiu a Abraji, disse que um jornalista deveria ter prudência ao acreditar na PF, pois, segundo suas palavras, ela está “contaminada de bandidos”.

Pergunta 7:

Não seria o papel da Abraji seguir o conselho do mestre Tognolli e alertar os jornalistas que, historicamente, devem ter cautela com suas fontes? Ou a Abraji virou sócia da PF?

Em janeiro, a jornalista Daniela Lima mentiu ao afirmar que a Polícia Federal apreendeu um computador da ABIN que estaria com Carlos Bolsonaro. Ricardo Noblat também divulgou a falsa narrativa de que ele teria “fugido” de barco.

A imprensa não pode simplesmente legitimar e legalizar qualquer informação que chega. Esta frase não é minha, mas de uma colega de Daniela: Eliane Cantanhêde, que, aparentemente, esqueceu tudo que aprendeu.

Pergunta 8:

Quando perguntei nas redes se a GloboNews será responsabilizada pela mentira de Daniela Lima, a Abraji considera minha pergunta um ataque?

A atual diretora da Abraji, Juliana Dal Piva também trabalha no ICL Notícias, um veículo que sempre me cita, mas nunca me concedeu um direito de resposta. Um dos jornalistas que divide a tela com Dal Piva no ICL é William de Lucca. De acordo com uma reportagem de 2018 do Leandro Demori (que também trabalha no ICL), De Lucca participou de um “mensalinho do Twitter”, exposto após a denúncia de uma jornalista que disse ter recebido dinheiro para defender políticos que estavam na lista de propinas da Odebrecht.

Pergunta 9:

A diretora da Abraji, ao dividir a bancada com um jornalista, que de acordo com a reportagem do Demori, esteve envolvido em um esquema considerado criminoso, não teme prejudicar a imagem da entidade?

A Abraji foi convidada e aceitou participar do governo lula, passando a ter um assento formal na CGU. lula, como todos sabem, tem um histórico de parceria com o governo ditatorial da Venezuela, que censura, prende e intimida jornalistas. Isso ocorre há muito tempo, inclusive com empresas de comunicação.

A Abraji, criada em 2002 após o assassinato do jornalista investigativo Tim Lopes, se atribuiu cinco objetivos. O quinto é: “defender a democracia, o livre exercício do jornalismo investigativo e a liberdade de expressão…”.

Pergunta 10:

Não é incoerente para a Abraji participar de um governo que se alia a ditadores e persegue a liberdade de expressão?

No livro, “Ô raça!”, o jornalista Tutty Vasques publica um artigo chamado “como bater em jornalistas!”. No texto, ele diz que a rigor, “não há nada de errado em falar mal da imprensa em público”. Na sequência, ele cita uma frase do dramaturgo Bernard Shaw: “Um jornal é um instrumento incapaz de discernir entre uma queda de bicicleta e o colapso da civilização”. O poder que a imprensa detém sobre a sociedade exige uma postura crítica por parte de todos, principalmente quando erros são cometidos. As divergências entre o público, políticos e jornalistas são não apenas naturais, mas essenciais para que a democracia se mantenha viva e dinâmica.

Como parlamentar e cidadã, não posso me furtar ao direito de criticar a imprensa, principalmente quando ela falha em seu papel de informar com isenção e verdade. A Abraji, ao divulgar relatórios que parecem mais destinados a blindar jornalistas do que promover a transparência e a correção de falhas, coloca em questão seu próprio compromisso com a ética jornalística. Eu, por outro lado, não recuarei. Continuarei a exercer minha liberdade de expressão e a apontar os erros quando enxergar, mesmo que a perseguição aumente, porque é assim que se constrói uma sociedade verdadeiramente democrática.

Carla Zambelli

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